PERSONALIDADES II

DITINHO

Lá pelos idos dos anos 8O, um garotinho aparentando 10 anos, franzino, sardentinho, falante e de olhos muito vivos e alegres bateu à nossa porta pedindo para cuidar do jardim. Mamãe sempre gostou muito de mexer com a terra! Tudo que ela planta cresce e floresce! Ela acolheu esse menininho e foi ensinando-lhe a arte da jardinagem.
Mas, nesta época, o Ditinho era quase que uma folha de papel em branco de pura inocência e na qual você poderia imprimir qualquer sentimento.
Meu primeiro contato com ele foi assim: eu havia chegado da faculdade e estava esperando o almoço assistindo à primeira TV "em cores" que tivemos. Passava o desenho do Picapau, com o qual eu nunca simpatizei por ser um pássaro sacana que só judiava daquele homenzinho narigudo.Coitadinho!
Foi quando percebi um vulto no "cantim" da janela.
- Ah! Cê tá vendo "deseninho" aí,né?
- Esse desenhu aí sai culuridu?
Percebendo que tudo aquilo era novidade pra ele, expliquei:
- É! Essa televisão tem um botãozinho que deixa colorido e em preto e branco( até hoje não entendi porque existia esse botãozinho!?!?). E mostrei a ele como funcionava. E ele:
- Nossa! Vô falá pru meu tiu prei oiá na televisão dei!! Vai vê qui tem um butãozinho dessi aí na dei e êi tá danu bobera lá!!Venu tudu sem cor!!
O tempo foi passando e ele foi passando pra dentro de casa e da nossa família. Dormia, almoçava, jantava. Era un convívio diário e ele só saía para ir à escola e quando ía para a casa dele. E ele sempre foi apaixonado pela televisão e seus filmes.
Numa noite, estávamos todos reunidos assistindo a um filme sobre dinossauros. Ele ficava vidrado na telinha vivenciando todas aquelas emoções . Quando acabava, ele fazia seus comentários entusiasmados:
- Nossa, seu Aécio! Comu será qui êis consegui qui us bichu faiz tudu qui êis qué?
- Não, Ditinho! Esse bicho nem existe mais! É tudo boneco! Truque de televisão!
- Mai num é pussíve seu Aécio! Num é bunecu não! Êis inté pisca us zoinho!!
- Não, Ditinho! Esse bicho não existe mais! Ele existiu há milhões de anos atrás!
- Uai, seu Aécio! Mai pode sê qui u filmi é véio!!!!!
De outra vez foi um filme sobre Spartacus. E ele de novo:
- Nossa, seu Aécio! Um filmi dessi vali inté a pena pagá intêra no cinema pra assisti naqueli telão, né?
- Mas você é estudante, Ditinho! Cê paga meia!
- Ah! Seu Aécio! Mai ieu queru vê u filmi'ntêru!!
Daí, o Hernani, que sempre gostava de brincar com ele, disse:
- Não, Ditinho! É só assistir cum zóio só!
E olha que ele era tão puro e honesto que era bem capaz de ir ao cinema e assistir tudo "cum zóio só" porque pagou meia entrada!
Outra: mamãe na cozinha e ele já adolescente, começa:
- Sabe dona Teresa, meu tiu tá cum pobrema di coração, meu pai bebi e fala bestêra e minha tia tevi qui trocá a porta da casa qui quebrô...(e tudo numa rapidez!).
- Que é isso, Ditinho? Cê tá falando do seu pai e da porta tudo junto?
- Uai, dona Teresa! Mudei di assuntu, uai!
Papai tinha comprado uma mobilete que eu usei muito pra ir pra faculdade. Depois ela ficou meio encostada, sem uso e o Ditinho, já um rapaz que fazia jardinagem em todo bairro do BPS, quis comprar a tal mobilete. Não me lembro dos valores exatos, mas vamos supor que valia uns quatrocentos reais(que moeda era vigente nesta época?). Então, só porque era pra ele o papai vendeu por cem reias para ajudá-lo(como todo bom "negócio" que o papai faz).Uns dias depois, apareceu todo orgulhoso por ter feito um "ótimo" negócio:
- Óia seu Aécio! Apareceu um rapaiz qui quis comprá a mubileti por 200 reais! Aí ieu vindi!
- Mas Ditinho! A mobilete valia 400 reis. Eu só vendi por cem porque era para você!!Podia ter vendido por mais!
Só sei que o papai não conseguiu fazê-lo entender!!
Mas ele está aí! Firme e forte! Trabalha de jardineiro em Itajubá até hoje e sempre que está em aperto corre lá pra perto da dona Teresa!! Mais uma plantinha que a mamãe fez crescer e florescer!
É só o que se leva da vida! Boas lembranças e amor no coração!
Thais Rosa Bustamante 30/11/2007